Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes

25/10/2011 - Cultura
Eventos celebram sesquicentenário do poeta Cruz e Sousa
A agenda cultural foi aberta com uma sessão solene na Academia Catarinense de Letras, na segunda-feira

foto/divulgação:

Prefeito Dário Berger ressaltou o orgulho de administrar a cidade onde o Cisne Negro nasceu

Se no passado a antiga Desterro não reconheceu a poética inovadora de Cruz e Sousa, no presente, a atual Florianópolis promove uma programação especial para celebrar os 150 anos de nascimento do filho ilustre. A agenda cultural foi aberta com uma sessão solene na Academia Catarinense de Letras (ACL), na segunda-feira (24/10), prestigiada por autoridades, escritores, jornalistas e militantes do movimento negro. “Cruz e Sousa teve todo um percurso de sofrimento e dor que levou para sua obra, mas a maior de suas dores foi a do desprezo literário”, destacou o jurista e escritor Péricles Prade, presidente da academia da qual o poeta negro é um dos patronos.

 

Segundo Prade, Cruz e Sousa foi um dos primeiros escritores a utilizar a metalinguagem em sua obra e foi também o introdutor do simbolismo no Brasil. Mas, apesar da genialidade literária, o escritor não foi aceito na Academia Brasileira de Letras – mágoa que carregou por toda sua curta vida. “João da Cruz e Sousa hoje está no Panteão, mas quantos anos se passaram desde que ele foi colocado no vagão de um trem para transporte de cavalos”, indagou o presidente da ACL. “Muitas vezes esses gênios precisam morrer para que sejam, no futuro, reconhecidos. A posteridade presta-lhe homenagens”, complementou Prade. “Cruz e Sousa vive agora espiritualmente, pois a lembrança do poeta, do pintor e do músico é que faz com que ele seja realmente imortal”, concluiu, sob aplausos da plateia.

 

Oportunidade para o talento

 

Para o superintendente da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes e coordenador do grupo que realiza as comemorações no município, Rodolfo Joaquim Pinto da Luz, a cuidadosa educação que Cruz e Sousa recebeu dos pais, escravos libertos, somado ao apoio da família que o adotou – propiciou ao menino o ambiente para desenvolver a criatividade. “Se ele não tivesse as oportunidades que teve, creio que teríamos perdido um grande talento. Por isso, podemos ver a importância que deve ser dada à educação”, ressaltou Pinto da Luz, que é também secretário municipal de Educação.

 

O prefeito Dário Berger ressaltou o orgulho de administrar a cidade natal do poeta negro e a alegria de participar das homenagens que a ele serão realizadas em âmbito municipal e estadual. “A maior independência de um povo é aquela conquistada através do conhecimento. Um administrador público tem que buscar resgatar essas histórias e essas pessoas que são importantes para a memória da cidade”, concluiu.

 

Além das manifestações de autoridades do meio político e literário, o evento na Academia Catarinense de Letras contou ainda com uma intervenção artística da atriz Luiza Lorenz, que declamou poemas do simbolista. A programação alusiva ao sesquicentenário de nascimento do poeta Cruz e Sousa prossegue até 24 de novembro, data em que ele completaria 150 anos.

 

Agenda articulada e diversificada

 

A agenda cultural está sob responsabilidade do Grupo de Articulação – 150 Anos do Nascimento do Poeta Cruz e Sousa, formado por instituições públicas federais, estaduais e municipais, além de organizações privadas e entidades não governamentais, com a coordenação da Prefeitura de Florianópolis. A programação completa poderá ser consultada no portal da prefeitura, no site da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes (http://portal.pmf.sc.gov.br/entidades/franklincascaes).

 

Oficinas de música, espetáculos teatrais, exposições, seminários, palestras, exibição de filmes, produção de games, performances, sessões solenes, encontros literários, além do lançamento de carimbo e selo personalizados com a imagem do poeta, são algumas das atividades previstas na programação. “Procuramos agregar parcerias para que Florianópolis possa homenagear de forma digna este artista que muito nos orgulha por sua produção literária, talento e história de luta contra as injustiças sociais”, destaca o superintendente da Fundação Franklin Cascaes e secretário municipal de Educação, Rodolfo Joaquim Pinto da Luz, que coordena os trabalhos no âmbito municipal.

 

O objetivo da iniciativa é divulgar a poesia que imortalizou o escritor catarinense no meio literário como Cisne Negro, mas também possibilitar à população local redescobrir outros aspectos da trajetória deste conterrâneo ilustre que nasceu e morou na cidade boa parte de seus 36 anos de vida.

 

O Grupo de Articulação é formado pela Fundação Franklin Cascaes (FCFFC); Secretaria Municipal de Educação (SME); Coordenadoria Municipal de Promoção de Políticas Públicas para a Igualdade Racial (Coppir); Secretaria Municipal de Transportes, Mobilidade e Terminais (SMTMT); Instituto Énrea; Fundação Catarinense de Cultura (FCC); SC Games; Câmara Municipal de Vereadores; Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc); Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Academia Catarinense de Letras (ACL); Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina (IHGSC); Associação Catarinense de Imprensa (ACI); e Câmara de Dirigentes Lojistas de Florianópolis (CDL).

 

 

Cruz e Sousa do Desterro

 

O mestre do simbolismo no Brasil nasceu em Desterro, em 24 de novembro de 1861, com o nome de João da Cruz. Negro, filho dos escravos alforriados Guilherme da Cruz e Carolina Eva Conceição, foi educado com o esforço pelos pais e o apoio dos ex-senhores da família, o Marechal Guilherme Xavier de Sousa, e sua esposa Clarinda. O casal, que não tinha filhos, não só ajudou na educação do menino, como deu a ele o sobrenome.

 

Cruz e Sousa estudou no Ateneu Provincial Catarinense e, ainda jovem, aprendeu francês, latim e grego, dedicando-se também à matemática e às ciências naturais. Aos 20 anos ingressou no jornalismo e fundou pequenos jornais como o Colombo, O Moleque e a Tribuna Popular, em parceria com o escritor e amigo Virgílio Várzea.

 

Enfrentando dificuldades financeiras, sofrimentos familiares e o preconceito da sociedade, o Cisne Negro como era chamado no meio literário, vivia uma espécie de exílio em sua terra natal.  Negro numa sociedade escravocrata, o escritor catarinense foi incompreendido por seus versos inovadores e pela poética que o colocou ao lado da vanguarda francesa. Por sua origem, foi recusado para ocupar o posto de promotor na província de Laguna. Por sua obra, foi muitas vezes acusado de ser indiferente à escravidão e de ter vergonha de ser negro. Mas, apesar das críticas e do preconceito, Cruz e Sousa não se deixou abater, atuando de forma engajada nas lutas de seu tempo, e militando contra a escravatura, em favor do abolicionismo.

 

O primeiro livro do poeta foi lançado em 1885, Tropos e Fantasias, em parceria com Virgílio Várzea. Escreveu artigos e poesias em inúmeros jornais brasileiros, especialmente do Rio de Janeiro, para onde se mudou em 1890. No ano seguinte, conheceu Gavita Rosa Gonçalves, também negra, com quem teve quatro filhos, que morreram cedo vítimas da tuberculose.

 

Em fevereiro de 1893, Cruz e Sousa publicou Missal e no mesmo ano, em agosto, divulgou Broqueis, deflagrando o Simbolismo no Brasil, movimento literário que se estendeu até 1922. A tuberculose atingiu o escritor levando-o à morte em Minas Gerais, aos 36 anos de idade, em 19 de março de 1898. Com a publicação póstuma de várias obras de sua autoria, o Poeta do Desterro conquistou enfim o reconhecimento de sua poesia e o renome nacional.

 

O corpo de Cruz e Sousa foi transportado para o Rio de Janeiro num vagão utilizado para o transporte de animais. O enterro, realizado no Cemitério de São Francisco Xavier, contou com a presença de poucos amigos, entre eles, José do Patrocínio, um dos destaques dos movimentos abolicionista e republicano. Em 2007, os restos mortais do escritor foram trasladados pelo Governo de Santa Catarina e estão hoje depositados no Museu Histórico de Santa Catarina – Palácio Cruz e Sousa, no “coração de Florianópolis”.