Secretaria Municipal de Saúde

30/08/2016 - Saúde
Atenção Primária: a base para uma vida com saúde
Porta de entrada para o SUS, Estratégia de Saúde da Família garante menos internações e acompanhamento histórico do paciente

foto/divulgação: SMS

Luiz Carlos Grisard é atendido pela equipe de Saúde da Família

Luiz Carlos Grisard tem 76 anos. Às 8 horas de uma segunda-feira, saiu caminhando da casa do filho, no bairro Abraão, rumo ao centro de saúde. Nas mãos, uma pasta com exames que faz regularmente para verificar como anda o coração. Foram dez minutos entre a hora em que chegou à unidade e o agendamento da consulta – para o dia seguinte. Ele é um dos cerca de 180 mil usuários acolhidos pelas equipes de Saúde da Família do SUS de Florianópolis, por ano – um total de quase 700 mil atendimentos.

 

O aposentado tem sua saúde checada periodicamente pela equipe da médica de família Adriana Borges Fernandes de Matos. É ela quem acompanha o histórico do paciente, suas tendências familiares, pede exames e faz encaminhamentos, quando necessário, e o principal: olha para o paciente como um todo, conhece seu contexto, inclusive social, podendo atender a 90% dos seus problemas sem a necessidade da busca por um especialista.

 

“Aqui é minha base. É com a Adriana que tenho toda a atenção e cuidado de que preciso”, conta Luiz Carlos. É assim que deve funcionar a Estratégia de Saúde da Família – como coordenadora do cuidado das pessoas. O ideal é que médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem que atuam nos centros de saúde conheçam e acompanhem o paciente por toda a vida. Isso lembra a figura tradicional, antiga mesmo, do “médico de confiança”. E é para ser assim.

 

Porta de entrada

 

No Brasil, a ideia é que o Sistema Único de Saúde (SUS) deve ter como base a Estratégia de Saúde da Família. Isso significa que a porta de entrada do paciente é o centro de saúde, onde ele é atendido cada vez mais por equipes especializadas nesse cuidado e acompanhamento das pessoas. Países europeus e, principalmente, o Canadá, usam seus sistemas baseados nessa forma. Nesses lugares, uma média de 95% das pessoas é atendida por seu médico de confiança.

 

O foco é na prevenção, na promoção da saúde, passando por diagnóstico, tratamento e reabilitação. O resultado é a diminuição dos encaminhamentos, tanto para especialistas em outras áreas médicas, como internações em hospitais. Luiz Carlos, o personagem que dá origem a essa reportagem, é um exemplo disso. Ele faz visitas frequentes a Adriana, a médica de família do Abraão. É ela quem pede os exames, principalmente para acompanhamento cardiológico, que é a principal necessidade dele.

 

Quando precisa, ela encaminha para o cardiologista, o que acontece a cada seis meses, em média. Parece muito tempo, à primeira vista. Mas entre uma ida e outra ao especialista, Luiz Carlos tem a segurança e o cuidado de Adriana e sua equipe, que estão sempre de olho em sua saúde.

 

A capital catarinense tem um dos melhores índices nacionais de internação por causas sensíveis à Atenção Primária (ICSAP), de 16,6% em 2015. O nome parece complicado, mas significa apenas que os cuidados adequados no momento oportuno, realizados pelas equipes de Saúde da Família, podem reduzir ou extinguir o risco de hospitalizações, prevenir o surgimento de doenças ou permitir seu manejo adequado. Este é considerado mundialmente como um indicador da qualidade de assistência à saúde. Os números de Florianópolis aproximam o município aos índices de qualidade vistos na Europa e no Canadá, considerados referências em todo o mundo.

 

Resultados

 

E como provar a qualidade do atendimento nos centros de saúde da Capital? Além da satisfação de usuários do sistema, como Luiz Carlos, alguns números dão mais pistas sobre isso. Entre 2010 e 2016, Florianópolis aumentou em quase 50% o acesso a consultas médicas na Atenção Primária, ou seja, nos centros de saúde. No mesmo período, a necessidade de encaminhamento para serviços especializados diminuiu em 20% - mais pessoas conseguem resolver problemas no posto de saúde.

 

Os bons resultados se devem à adoção de estratégias de ampliação de acesso, qualificação das equipes, ações de formação em serviço e ampliação da Estratégia de Saúde da Família, passando de 93, no começo da década, para 142 equipes, neste momento. No início de 2010, os centros de saúde do município produziam em torno de 30 mil consultas/mês. Atualmente, este número subiu para em torno de 45 mil consultas/mês.

 

Entre as ações que contribuem para esse avanço na resolubilidade está a maior qualificação das equipes, que contam cada vez mais com especialistas em Medicina da Família e Comunidade e em Saúde da Família. Combinado a isso estão estratégias de qualificação da clínica, como o lançamento de guias de prática (Pack Brasil Adulto, uma parceria com o British Medical Journal) e dos Protocolos de Enfermagem.

 

Outro fator de grande influência são as ações de formação em serviço, como a abertura de residências próprias, ofertas de teleconsultorias entre profissionais da Atenção Primária e os especialistas das policlínicas e centros de Atenção Psicossocial (Caps) e de cursos de aperfeiçoamento específicos. 

 

Longo trajeto

 

Planejamento, busca por soluções criativas e investimento em educação, com contratação de equipes especializadas, ajudam a fazer de Florianópolis a mais qualificada do País, segundo o Ministério da Saúde.

 

Uma gestão formada há dez anos por funcionários de carreira compõe o cenário favorável. O resultado da aposta desta equipe no investimento em Atenção Primária pode ser medido em alguns dados: 100% de cobertura da população pela Estratégia Saúde da Família, com 70% das equipes compostas por especialistas em Medicina de Família e Comunidade e 75% em Saúde da Família.

 

Há também indicadores fortes para atestar o sucesso deste modelo, como a taxa de mortalidade infantil, de 6/1000 nascidos, e índice de resolubilidade da Atenção Primária superior a 90% - ou seja, menos pacientes encaminhados a hospitais.

 

Somado a isso, Florianópolis oferece contratação formal e planos de carreira, infraestrutura e insumos que garantem a resolubilidade, uma rede informatizada que facilita o acesso e a coordenação do cuidado, além do investimento próprio na formação de profissionais especialistas, por meio dos programas de residência em Medicina da Família e Comunidade e Saúde da Família.

 

"Temos problemas, claro, por atuarmos em um sistema público universal e com um subfinanciamento crônico, um dos menores do mundo. Mas mostramos que cada vez mais é possível fazer melhor", diz o atual secretário de Saúde, Daniel Moutinho Junior, também médico de Família e Comunidade.

 

Passos para o futuro

 

A implantação pioneira do projeto Pack Brasil Adulto, em parceria com o British Medical Journal (BMJ), promete melhorar a Atenção Primária na capital catarinense, de forma barata e eficiente, e torná-la referência para outras cidades brasileiras e do mundo. São passos para um futuro próximo em Florianópolis, que irão garantir ainda mais segurança à coordenação dos cuidados a pacientes como Luiz Carlos – aquele aposentado que deu origem a essa reportagem.

 

Criado na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul, o material foi adaptado por profissionais da Secretaria de Saúde de Florianópolis, com apoio de cientistas da Universidade do Cabo (África do Sul) e do BMJ Brasil. O Pack é um guia para médicos e enfermeiros de Atenção Primária que visa a facilitar a tradução do conhecimento científico para a prática clínica.

 

Ele abrange cerca de 40 sintomas e 20 condições crônicas comumente encontradas nos pacientes que buscam atendimento na Atenção Primária. Cada uma de suas mais de duas mil recomendações práticas está ligada à base de evidências científicas do BMJ Best Practice, uma das mais importantes ferramentas mundiais de apoio a profissionais de saúde para tomada de decisão clínica.

 

Os 49 centros de saúde da capital catarinense estão recebendo o material totalmente traduzido e adaptado pela equipe de Atenção Primária da Secretaria de Saúde de Florianópolis. O projeto piloto deve ser expandido para diversas regiões do País.

 

“O impacto do Pack Brasil Adulto é comprovado por pesquisas e avaliações internacionalmente reconhecidas e publicadas em periódicos científicos dos mais respeitados no mundo. Foram três estudos randomizados com avaliações qualitativas econômicas e de melhoria na qualidade do serviço em saúde e resultados aos pacientes”, diz Ricardo Cypreste, médico e mestre em administração pública, responsável pela direção do BMJ no Brasil.


Segundo ele, foram estudados e comprovados impactos positivos no diagnóstico de doenças como tuberculose, prescrições mais assertivas e condizentes com as necessidades dos pacientes, efeitos positivos nos pacientes com HIV, como evolução da condição geral, ganho de peso e tratamento consistente com as melhores práticas e evidências. Outro impacto da implantação do Pack foi a qualificação do acesso ao serviço de saúde. Além disso, foram constatados referenciamentos mais eficazes a especialistas de pacientes críticos e complexos.

 

“Temos como meta a transformação do SUS de Florianópolis em uma estrutura semelhante ao sistema canadense, um dos mais respeitados do mundo. Estamos há dez anos com foco absoluto no aprimoramento do atendimento e o Pack atinge diretamente o mais importante ponto para o bem do paciente: a Atenção Primária,” afirma Matheus Pacheco Andrade, médico de família e diretor de Atenção Primária à Saúde da Secretaria de Saúde de Florianópolis. 

 

Ainda de acordo com ele, mais casos devem ser resolvidos pelas equipes de Saúde da Família e isto deve desafogar as filas para aquelas situações que exigem acesso a especialistas, o que deve começar a ser percebido já nos primeiros meses de implantação. Para Daniel Moutinho Junior, Secretário de Saúde de Florianópolis, a implantação dos guias feita com estratégias educacionais baseadas nos próprios serviços de saúde deve proporcionar resultados ainda melhores da utilização do Pack Brasil Adulto.

 

“Teremos, em curto prazo, melhora na qualidade das prescrições, dos diagnósticos e dos encaminhamentos. Na prática, isso deverá se refletir em mais saúde para a população atendida e segurança dos profissionais de saúde para a realização de seu trabalho”, conclui Moutinho Junior.

 

A tradução do material passou por um processo de adaptação à realidade brasileira, especialmente com relação às doenças mais comuns do país, seus medicamentos e linguagem cotidiana. Desde 2007, o Pack já beneficiou mais de 20 mil profissionais em cerca de duas mil unidades de saúde na África do Sul. O programa já foi aplicado em Botswana e no distrito Zomba, de Malawi. 

 

LEIA MAIS

Série mostra caminhos para um SUS de qualidade

Média Complexidade: Uma espera cada vez menor

Educação em Saúde: a chave para a qualidade

Vigilância e Dibea: Aqui todos usam o SUS


galeria de imagens